CÂMERAS, RECONHECIMENTO FACIAL, VADIAGEM E COMPARTILHAMENTO DE DADOS

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A prefeitura de São Paulo publicou recentemente edital de licitação na modalidade de pregão eletrônico, para obter um sistema de monitoramento com várias funcionalidades, em conjunto com a instalação de câmeras nas ruas, visando facilitar a atuação de vários órgãos públicos municipais, estaduais e federais, conforme se verifica do edital, bem como complementar uma rede de monitoramento já existente.

Não fossem alguns itens da descrição de funcionalidades contida no termo de referência do referido edital, não haveria nada de negativo a destacar.

É o caso, por exemplo, do Reconhecimento Facial. Para que haja o citado reconhecimento, na melhor acepção da palavra, é necessário que uma base pré-existente sirva de confronto, ou seja, que algum banco de dados seja conectado ao sistema para que a imagem de um indivíduo, captada pelo sistema, seja submetida à confrontação com outras existentes em um universo pré-estabelecido. Afinal, ninguém ou nenhum sistema reconhece algo que já não lhe seja conhecido.

Caso esse processo não ocorra, não se imagina que haverá reconhecimento facial, apenas a captação de uma imagem humana e sua possível individualização por meio de traços físicos e vestimenta, em meio a ambientes diversos.

Talvez tenha sido este o objetivo da iniciativa, neste particular, mas a terminologia utilizada é geradora de entraves.

Some-se a isso críticas feitas pela imprensa e por pesquisadores quando a problemas étnico raciais que impediriam ou dificultariam a individualização de pessoas negras com a precisão desejada, gerando riscos de ações danosas por agentes públicos, mormente ligados à segurança municipal ou pública.

Não se sabe, ao certo, se a multiplicidade étnica existente no Brasil será considerada na concepção do software utilizado, sobretudo se observado o altíssimo contingente de pardos existente no país, ao contrário do que ocorre em outras partes do mundo, nas quais o contingente étnico é mais homogêneo, e outros detalhes biométricos acabam tendo maior relevo do que a cor da pele.

O próprio enquadramento da cor do cidadão para fins estatísticos seria controvertido, já que o próprio IBGE, que utiliza o critério da autodeclaração, constatou nos últimos censos realizados uma variedade significativa de definições de cor que as pessoas utilizam para se identificar.

Nesta seara, ainda, se observa nas descrições técnicas do termo de referência que as imagens captadas serão tratadas, sem a existência de maiores detalhes acerca do tipo de tratamento a que serão expostas, o deveria ter sido feito, a bem da transparência na administração pública.

Pelo que se percebe, mesmo em relação a outros alvos de filmagem, essa descrição não existe no termo de referência.

Também é terreno arenoso o compartilhamento das imagens obtidas, seja com órgãos públicos ou pior, com a população, via site.

O acesso aberto à população serviria a inúmeros fins, vários deles nada nobres, como a geração de montagens e Fake News, isso sem falar em sua sustentabilidade frente à lei geral de proteção de dados e ao direito de imagem, garantia constitucional que abrange a todos os cidadãos.

Outro ponto polêmico refere-se à citação, ainda no termo de referência do edital, da vadiagem como um dos objetivos de filmagem do sistema a ser implantado.

Sabe-se que a vadiagem é uma contravenção penal, prevista em lei específica, ou seja, prevê o cumprimento de pena para quem incorre nessa conduta, a qual varia de 15 dias a 03 meses de detenção.

Em um país com um número absurdo de desempregados, com famílias desalojadas por esta razão, acirrar os ânimos de parcela significativa da sociedade, que não está nessa condição por vontade própria, é temerário.

Seria tratar como criminosos aqueles que, por desconhecidas vicissitudes, não podem prover sua subsistência digna e a de sua família por meio do trabalho.

É interessante recordar que a iniciativa de reconhecimento facial por meio de câmeras foi objeto de tentativa de implantação, sem sucesso, no Metrô de São Paulo. O Tribunal de Justiça/SP proibiu sua implementação, com fundamento constitucional.

Acredita-se que uma revisão do edital seja necessária, para trazer as funcionalidades do sistema ao factível e pacificamente legal, sem prejuízo da existência de outros pontos a serem eventualmente questionados sob a ótica da legislação de licitações, seja pelos interessados em participar do certame ou pelo Ministério Público.

Afinal, o poder público não pode, sob hipótese alguma, ser o incentivador de medidas que ponham em risco direitos e garantias da população, sem que todos os entraves técnicos e legais sejam racionalmente analisados e superados.

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Sobre José Vieira 177 artigos
Professor, Jornalista, Bacharel em Direito(com OAB), Servidor Público, Pós-graduado em Direito da Comunicação Digital, MBA em Gestão Pública, Pós-graduado em Direito Administrativo

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