BRASIL: TRIBUTAÇÃO DE LÍDERES RELIGIOSOS E PATRIOTISMO

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Mal se inicia o ano e já existe polêmica acerca de um ato da Receita Federal, publicado no ano passado, por meio do qual os líderes religiosos são isentados da cobrança de imposto de renda.

O Tribunal de Contas da União, cioso de suas atribuições, entendeu que isto não seria possível, mormente pelo tipo de ato, que demandaria ordem constitucional para gerar a imunidade tributária, o que atualmente não existe.

Agora, diante da determinação de alteração do ato pelo TCU, o governo federal determina à Receita Federal a alteração do ato, o que implicará na cobrança de impostos. Pelas contas apresentadas pela própria Receita e pelo TCU, em vários pareceres, o ato editado no ano passado implicou em uma renúncia fiscal da ordem de 300 milhões de reais.

Em que pese o retorno da cobrança atinja a todos os líderes religiosos, a bancada evangélica da Câmara dos Deputados se insurgiu fortemente contra a mudança, se dizendo “perseguida” pelo governo, o que, definitivamente, não é o caso, dada a abrangência da medida.

O pagamento de impostos por aqueles que auferem algum tipo de renda é algo normal em todos os países do mundo, desde os tempos mais distantes, remontando à razão de ser do próprio Estado.

Quando este ente chamado “Estado” foi criado, lhe foi conferido o poder de gerir as relações de um determinado povo em um território, tomando para si uma parcela da liberdade de cada indivíduo. O mesmo se deve em relação aos ganhos auferidos com o trabalho de cada um, que deveriam ter uma parcela destinada à manutenção do ente e cumprimento de suas atribuições, que evoluíram ao passar do tempo.

Nos tempos atuais, é fundamental que todos contribuam com sua parcela, proporcional ao ganho, para a mantença do Estado, que disponibiliza à sociedade vários serviços que não poderiam ser ofertados pela iniciativa privada ou, se fossem, deixariam razoável parcela da população com pouco ou nenhum acesso a eles.

Quando parlamentares que representam segmentos religiosos se insurgem contra essa tributação, manifestam claramente um apego a um privilégio que não tem sustentação alguma, pois a cobrança do tributo incide sobre o ganho auferido pelo exercício de uma atividade que provê a manutenção do indivíduo e de sua família. 

Não se está a falar, de modo algum, de alguma limitação à constitucional liberdade de crença e de religião, eis que não se está cobrando o pagamento de um tributo pelo fato do indivíduo pertencer a uma religião ou ser líder dela mas, sim, pelo fato de ganhar a vida com isso, ou seja, auferir renda.

São os chamados trabalhadores da fé, que vivem da atividade religiosa que exercem, diferente daqueles que simplesmente a professam.

Nesse caso, em especial, é justa a cobrança pois, da mesma forma que aqueles que professam a fé, mas têm a sua atividade laboral e pagam o seu quinhão, os líderes religiosos que fazem da fé sua atividade laboral, têm que pagar.

Essa situação nos faz relembrar uma passagem bíblica segundo a qual Jesus Cristo foi inquirido acerca da correção do pagamento de impostos a Roma, ao que respondeu tranquilamente: ” Dai a César o que é de César, e a Deus as coisas divinas”, ou  seja, o fundador do Cristianismo, que trouxe a “Boa Nova”, em substituição aos velhos ensinamentos, não se opôs à tributação.

Talvez o fato de muitas igrejas evangélicas mesclarem o Velho Testamento e o Novo, extraindo ora parte de um ou de outro, gere essa confusão. Aliás, é uma dúvida que inquieta particularmente este articulista o fato de que cristãos se apeguem tanto a ditames do Velho Testamento em detrimento da “Boa Nova” trazida por Jesus Cristo.

Dúvidas religiosas à parte, que poderão ser alvo de comentários de pessoas mais entendidas no assunto, outro ponto polêmico e interessante se coloca: até onde vai o nosso patriotismo?

Em uma definição abrangem e simples, é possível conceituar patriotismo como sendo o “sentimento de orgulho, amor, devolução e devoção à pátria, aos seus símbolos (bandeira, hino, brasão, riquezas naturais e patrimônios material e imaterial, dentre outros, e ao seu povo”.

Dessa definição, é possível entender que o verdadeiro patriota não questionaria a obrigação de pagar o seu quinhão, como todos os demais o fazem, fundado na própria definição de patriotismo apresentada, a qual, s.m.j., não carece de reparo.

Se há dúvidas quanto a lisura ou correção do Estado em fazer uso dos recursos, cabe a todo o cidadão, sobretudo os parlamentares, exigir e criar melhores mecanismos de governança e de integridade na administração pública, além de formas de accountability (aferição de desempenho e resultados) que facilitem ao cidadão fiscalizar o que é feito com o seu dinheiro, o que implica em maior Transparência.

Se o problema está no quanto é pago pelo cidadão, ou seja, justiça do percentual cobrado, que sejam revisadas as alíquotas, mas que todos que auferem algum ganho mediante atividade laboral ou financeira paguem.

As responsabilidades do Estado, mesmo dentro de doutrinas liberais ou conservadoras são grandes e não podem, de todo, serem substituídas pela iniciativa privada. Há setores que necessitam da atividade estatal como garantidor da pluralidade imparcial da prestação de serviços que lhe são afetos, e isso demanda gastos crescentes, conforme aumentam as necessidades da sociedade.

Não há como dar as costas para essa realidade. 

Por isso, não soa bem qualquer tipo de imunidade tributária além das já consagradas no texto constitucional, por razões muito bem justificadas, principalmente aquelas que derivam da impossibilidade do cidadão trabalhar, por questão de saúde ou, já estando aposentado, em razão de doença incapacitante, não pagar tendo em vista os gastos extras que terá em função do problema.

É preciso bom senso e verdadeiro patriotismo para compreender que todos temos direitos a exercer e deveres a cumprir perante o Estado, e o equilíbrio dessa equação é fundamental para o bem estar de um país.

Aqui você já sabe: virou notícia, Brasil Comenta.

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Sobre José Vieira 176 artigos
Professor, Jornalista, Bacharel em Direito(com OAB), Servidor Público, Pós-graduado em Direito da Comunicação Digital, MBA em Gestão Pública, Pós-graduado em Direito Administrativo

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